segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Espiritualidade da Vergonha

A ESPIRITUALIDADE DA VERGONHA

Ricardo Barbosa de Sousa

Em nossa sociedade, a tolerância transformou-se na maior de todas as virtudes. Se aceita tudo. O mais preocupante não é a compaixão e paciência que a tolerância produz em nós, mas a ausência cada vez maior, de valores e princípios divinos que nos ajudam a separar o justo do injusto, o certo do errado. A ausência de uma consciência justa, a rejeição de qualquer verdade que seja absoluta e a busca pela realização pessoal geram uma forma perigosa de tolerância.

Entretanto, o perigo da rejeição de um absoluto reflete em ser tolerante hoje, implica em não julgar, não ter mais critérios que separam o bem do mal, o justo do injusto; e, uma vez que não julgamos mais, poucas coisas nos chocam ou abalam e, quando o fazem, é por pouco tempo.

Na oração de confissão de Daniel há uma declaração que tem sido esquecida entre nós. “A ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a nós, o corar de vergonha” (Dn. 9.7). Isto não acontece mais. Somos tolerantes demais para “corar de vergonha”. Mesmo diante de fatos trágicos e deploráveis que vemos, o máximo que conseguimos é uma indignação passageira. Porém, é a possibilidade de corar de vergonha que não me permite rir da corrupção, achar normal a promiscuidade, maldade, mentira, ou ainda, achar graça da injustiça.

Vivemos numa cultura que se orgulha do pecado, louvando-o através dos meios de comunicação, fazendo das tribunas públicas palco de mentiras, organizando marchas para celebrá-lo,rindo da corrupção, exaltando a esperteza. E ninguém fica corado de vergonha. Daniel contrasta, de um lado, a natureza justa de Deus e, de outro, a corrupção e a injustiça do seu povo. Ele só é capaz de fazer isto porque sua ética e moral estão ancoradas em verdades absolutas sobre as quais não há tolerância. A conclusão a que ele chega é que, diante da justiça divina e de um povo que se orgulha de sua maldade, o que sobra é “corar de vergonha”.

Ele nos apresenta aqui a importância da uma vergonha saudável e essencial na dignidade espiritualidade cristã. A vergonha aqui é a virtude que nos ajuda a reconhecer nossas limitações, faltas e pecados porque ainda somos capazes de perceber que existe algo melhor,mais belo e sublime, mais nobre e justo, mais santo e humano pelo qual vale a pena lutar. A vergonha nos impõe limites. É por isto que o caminho para o crescimento e amadurecimento passa pela capacidade de corar de vergonha diante de tudo que compromete a justiça e a santidade.

No caminho da santidade lidamos com o amor, verdade, bondade, justiça, beleza, doação e cuidado. A falta de vergonha nos leva a negar este caminho e optar pela mentira, manipulação, engano, falsidade, hipocrisia e violência.

“Corar de vergonha” é uma virtude que falta na experiência espiritual moderna, a virtude de olhar para o pecado que habita em nós, e que reside nos porões da alma, a injustiça que e alimenta do egoísmo, a malícia que desperta os desejos mais mesquinhos e se entristecer. Precisamos reconhecer que foram os nossos pecados que levaram o Santo Filho de Deus a sofrer a vergonha da cruz. Quando olhamos para a cruz e contemplamos nela a beleza e a pureza do amor, só nos resta “corar de vergonha”. Djalma Alves de Moura Caruaru, outubro de 2010

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Servir: Um Privilégio de Poucos

SERVIR: UM PRIVILÉGIO DE POUCOS

Ed René Kivits

É natural ao coração humano a busca de conforto, status, poder e tudo quanto vem agregado a estas realidades. Tiago, João e sua mãe, foram até Jesus solicitar tais privilégios na consumação do reino de Deus. Jesus não disse nem sim, nem não, mas aproveitou para reforçar que o reino de Deus é reino de servos e, portanto, os servos são os verdadeiros governantes do mundo. No reino de Deus, o privilégio e o ônus de governar não é das “pessoas importantes”, mas dos servos, até porque, governar é servir.

No reino de Deus, a maneira de governar não é exercendo domínio sobre os governados, mas servindo-os. Governar é servir. Na lógica do reino do Deus, o oposto também é verdadeiro: servir é governar.

Para servir é necessário sair da zona de conforto, Isto é, fazer o indesejado, dedicar tempo para as tarefas pouco atraentes, assumir responsabilidades desprezadas pela maioria, fazer o “trabalho sujo”, enfim, fazer o que ninguém gosta de fazer. Para servir é necessário vencer o orgulho, isto é, se dispor a ser tratado como escravo, ter os direitos negligenciados, ser desprestigiado, sofrer injustiças, conviver com quase nenhum reconhecimento, enfim, não se deixar diminuir pela maneira como as pessoas tratam os que consideram em posição inferior. Para servir é necessário abrir mão dos próprios interesses, Isto é, pensar no outro em primeiro lugar, ocupar-se mais em dar do que em receber, calar primeiro, perdoar sempre, sempre pedir perdão, enfim, fazer o possível para que os outros sejam beneficiados ainda que às custas de prejuízos e danos pessoais.

Não é por menos que em qualquer sociedade humana existem mais clientes do que servos. Servir não é privilégio de muitos. Servir é para gente grande. Servir é para gente que conhece a si mesma e está segura de sua identidade, a tal ponto que nada e nem ninguém o diminui. Servir é para gente que conhece o coração das gentes, de tal maneira que nada nem ninguém causa decepção suficiente para que o serviço seja abandonado. Servir é para quem conhece o amor, de tal maneira que desconhece o preço elevado demais para continuar servindo. Servir é para quem conhece o fim a que se pode chegar servindo e amando, de tal maneira que não é motivado pelo reconhecimento, a gratidão ou a recompensa, mas pelo próprio privilégio de servir. Servir é para gente parecida com Jesus. Servir é para muito pouca gente.

A comunidade cristã – a Igreja, pode e deve ser vista, portanto, como uma escola de servos. Uma escola onde aprendemos que somos portadores do DNA de Deus, dignidade que ninguém pode tirar. Uma escola onde aprendemos que, por mais desfigurado que esteja, todo ser humano, carrega a imagem de Deus. Uma escola onde aprendemos a amar, e descobrimos que, se “não existe amor sem dor”, jamais se ama em vão. Uma escola onde aprendemos que “mais bem aventurada coisa é dar do que receber”.

Servir é mesmo um privilégio de poucos. De minha parte, preferia ser servido. Mais aí teria de abrir mão do reino de Deus. Teria de abrir mão de desfrutar do melhor de mim mesmo. Teria de abrir mão de você. Definitivamente, me custaria muito caro. Nesse caso continuo na escola.

Djalma Alves, Caruaru 06/10/2010