Li recentemente no jornal Brasil Presbiteriano – julho
2014, excelente artigo do Rev.
Leandro Antônio de Lima que é professor do Centro Presbiteriano de
Pós-graduação Andrew Jumper e um dos pastores da Igreja Presbiteriana de Santo
Amaro em São Paulo. Veja o que eu li:
“A respeito dos dons espirituais – continuísmo ou cessacionísmo?
Os dons espirituais ainda estão em atividade hoje? Esse é um
dos temas mais debatidos dos últimos tempos, desde que o movimento pentecostal, no início do
século 20, disse ter restaurado todos os dons espirituais dos tempos
apostólicos. Quero destacar quatro aspectos nesse sentido, contribuindo para o
debate.
Inicialmente é preciso uma palavra sobre os termos. Continuísmo e cessacionísmo são termos
limitados.Não conseguem expressar todo o significado bíblico a respeito dos
dons e do modo divino de agir. Não só porque não são bíblicos, como também
porque são reducionistas, e pretendem se impor sobre a Bíblia e, em última
instância sobre o próprio Espírito que a inspirou. A Escritura diz que o
Espírito concede os dons soberanamente, “conforme lhe apraz” (I Co 12.11), mas
o continuísmo exige que ele continue operando todos os mesmos sinais de outrora, enquanto que o cessacionismo
exige que ele não os realize mais. E o fato é que o Espírito Santo não disse
nas Escrituras, de uma forma clara e inequívoca nem uma coisa e nem outra. Ao
impor a opinião pessoal sobre a soberania do Espírito, ambos os posicionamentos
correm o risco de apagar o Espírito (I Ts 5.19). O continuismo, por se esquecer
que há um critério para julgar as manifestações espirituais (I Ts 5.21), e o
cessacionismo por correr o risco de desprezar o que Deus pode fazer,
limitando-o em suas ações, em aspectos em que o próprio Deus não se limitou (I
Ts 5.20).
Em segundo lugar, em linhas
gerais, os reformados crêem que os dons relacionais cessaram, mas os de
ministério (serviço) não. Calvino, ao comentar sobre a atuação soberana do
Espírito concedendo dons à igreja, diz: “O Espírito de Deus, portanto,
distribui esses dons entre nós, a fim de concentrarmos toda a nossa
contribuição visando ao bem comum” (Comentário I Co 12.11). Ou seja, Calvino
cria que o Espírito ainda estava concedendo dons à igreja. Por outro lado, o
Reformador entendia que os dons revelacionais e curas haviam desaparecido ainda
no tempo dos apóstolos. De fato, podemos
dizer que os dons que traziam nova revelação cessaram porque a Revelação se
completou em Jesus Cristo e foi registrada na Escritura, à qual, nada se
acrescentará. E podemos afirmar que os dons miraculosos cessaram por causa da própria evidência do
Novo Testamento que aponta para o desaparecimento deles no final do período
apostólico. No caso do dom de curar,é interessante que Paulo não parece mais
evidenciá-lo no final de seu ministério, quando em vez de curar Timóteo, mandou
que ele bebesse vinho misturado com água por causa de suas constantes
enfermidades de estômago ( I Tm 5.23). E também, em ocasião posterior, em vez
de curar Tr´fimo, diz que deixou-o doente em
Mileto (II Tm 4.20). Sem dúvida, essa foi uma postura bem diferente
daquela dos primeiros dias da pregação do apóstolo, quando os milagres de curas
aconteciam de forma abundante (At 14. 8-10), 18.11). Calvino cria que diversos
dons e ofícios eram temporários, pois tinham a função de lançar os fundamentos
da igreja (Ef 2.20, ver seu comentário de I Co 12.28). Isso não significa dizer
que Deus não realiza milagres de curas
hoje. Se alguém negar a existência de milagres de curas estaria negando a
própria existência de Deus. O ponto específico é a capacidade de uma pessoa ter o dom de curar. Uma coisa é alguém
orar a Deus pela cura de alguém e Deus responder atendendo. Outra é a própria
pessoa dizer “em nome de Jesus, levanta e anda”, e por um poder de curar que
lhe foi concedido isso acontecer. Entendo que a primeira acontece hoje, mas a
segunda não, pois era privilégio daqueles que conheceram Jesus pessoalmente.
Parece de fato lógico pensar que os
dons revelacionais não estão mais em
atividade no mundo justamente porque Deus já revelou tudo o que era necessário
para nossa salvação e aperfeiçoamento espiritual, e essas coisas estão
registradas na Bíblia (II Tm 3.16-17). Tudo o que alguém precisa para ser
“perfeito e perfeitamente habilitado para boa obra” já foi registrado na
Escritura (II Tm 3.17). Então, qual seria o sentido de Deus continuar revelando
mais coisas assim? Por isso, quando continuarmos buscando novas formas de revelação
normativa, de certo modo estamos dizendo que o registro bíblico é insuficiente,
e essa, sem dúvida é uma atitude perigosa. Mas isso não significa dizer que
Deus parou de falar. Os reformados nunca defenderam essa posição. A teologia
reformada sustenta, por exemplo, a chamada Revelação Geral. Significa dizer que
Deus se revela por meio da natureza (Sl 19, Rm 1.18ss). Mas aqui chegamos ao
ponto crucial. Nenhum reformado busca a revelação de Deus diretamente na natureza,
antes observa a natureza através dos “óculos” das Escrituras. Portanto, terceiro
lugar, a Escritura é o critério final, justamente por tem o poder de
julgar todas as demais maneiras de ouvirmos a voz de Deus. Parece que é
justamente isso o que Paulo tem em mente quando diz “julgai todas as coisas,
retende o que é bom”, justamente num contexto de “não desprezar profecias” (II
Ts 5.19-21)
Segundo os reformados da Confissão de Fé de Westminster, uma vez
que a Escritura está completa, “cessaram
aqueles antigos modos de Deus revelar sua vontade ao seu povo” (I.1), e o
critério último pelo qual todas as
disputas teológicas precisam ser solucionadas é “o Espírito Santo falando nas
Escrituras” (I,10. Os reformados criam em”iluminação espiritual”, ou seja, que
Deus pode sim falar comigo hoje. Ele pode nos orientar nas decisões do dia a
dia, mas não fará isso independentemente da
Bíblia. Mesmo que Deus quisesse mandar um anjo falar comigo, ou um
sonho, ou a palavra iluminada de um crente fiel, nada disso seria o critério
final para eu saber qual é a vontade dele, até porque Paulo disse que se um anjo viesse falar aos gálatas um evangelho
diferente daquele já revelado deveria
ser considerado maldito (Gl 1.8). O critério é a Escritura. Por meio dela
interpretamos o modo como Deus fala diretamente ao nosso coração ou através de
algum crente fiel. Estritamente, portanto, jamais deveríamos chamar esse”falar
de Deus” de “nova revelação”, pois, se o fosse, o texto bíblico não poderia ser
juiz dele. Se a Escritura é juiz é porque esse falar de Deus não é novo, mas
apenas um desdobramento daquilo que a Escritura já disse. Por isso o termo
correto é iluminação.
Concluo dizendo que não creio em “novas revelações
normativas”, pois se acreditasse teria de dizer que a Bíblia ainda está sendo escrita.
Creio que Deus “fala”. O Espírito Santo habita o crente e o dirige, e ainda lhe
deu um critério infalível para saber quando de fato ele está falando: a
Escritura. Portanto, falar em ser estritamente cessacionista ou continuista é
um reducionismo. Alguns dons cessaram, outros não conforme a vontade soberana
do Espírito. Dons revelacionais eram temporários e cessaram. Dons ministeriais
continuam em ação. Acima de tudo, sejamos criteriosos. Não queiramos impor
limitações para Deus, mas não nos esqueçamos dos limites que ele mesmo impôs:
aquilo que ele já revelou e ordenou que fosse registrado na Escritura.